segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O descalabro econômico de Dilma

            Nada como um processo eleitoral para que a oposição ao governo de plantão carregue nas cores ao pintar os quadros da realidade.  Vimos isso com mais ênfase nas últimas eleições presidenciais, cujo acirramento potencializou esse efeito, fazendo com que os quadros retratassem as mais negras tempestades, em particular aquele dedicado a expor o cenário econômico do país.
            Passadas as eleições, prossegue o debate, mantida como dominante a tese de que está tudo errado na economia e que é preciso aplicar o receituário proposto pelo candidato derrotado para resolver todos os problemas daquilo que se convencionou chamar de herança maldita. Ao que parece, até a candidata vitoriosa teria passado (ou sido forçada) a acreditar nessa "verdade", a ponto de escolher para comandar a política econômica do seu próximo governo um especialista nas amargas receitas tucanas.
            Nesse contexto de discussão, que tem produzido muito calor e pouca luz, merece que se acenda ao menos uma pequena chama. Para começo de conversa, vamos aos "erros" de Dilma e Mantega, fartamente inventariados por economistas ortodoxos e repetidos por muitos "analistas" de uma cada vez mais conservadora e partidarizada grande mídia: as medidas anticíclicas pós-2008, sobretudo o incentivo ao consumo, foram equivocadamente mantidas, mesmo esgotadas; os preços administrados, principalmente dos combustíveis, foram erroneamente contidos;  o cenário desfavorável do câmbio (real valorizado) foi mantido; e por fim, o gasto público explodiu. Por essas razões, segundo eles, chegamos à indesejável e preocupante sequência de pibinhos.
            A desonestidade intelectual, contudo, impede que expliquem o seguinte: para não desaquecer o mercado interno e preservar o emprego e a produção industrial, o governo reduziu os juros; como efeito colateral, a entrada de dólares diminuiu, a saida aumentou e o real se valorizou; foi aqui que ficou evidente a baixa competitividade da indústria nacional, que pediu socorro ao governo e obteve generosos incentivos fiscais (como a redução do IPI e a desoneração da folha de pagamento, que afetaram as contas públicas), mas insuficientes para enfrentar a concorrência dos produtos importados. Nesse meio tempo, os preços das commodities (itens importantíssimos da nossa pauta de exportações) caíram drasticamente devido à crise internacional e à redução da taxa de crescimento da China, afetando a balança comercial brasileira. Como se não bastasse, a inflação começou a bater no teto da meta, levando o governo a optar por conter os preços administrados, sob pena de perder o controle da elevação dos preços.
            Por trás dessas "equivocadas" medidas, esteve a decisão do governo de ajudar a economia nacional, visando preservar o nível de emprego, e conter a inflação para evitar a corrosão dos salários. Em parte deu certo mas, como ocorre em sistemas complexos, a solução de um problema termina por acarretar outros. Não se trata, portanto, de uma deliberada sucessão de erros que, apenas pela mudança de rumo, será facilmente corrigida. Essa abordagem, simplista e falaciosa, vem sendo questionada por uma minoria, da qual destaco Delfim Neto, com sua indiscutível lucidez.
            Em sua coluna semanal na Folha de São Paulo, Delfim chamou a atenção para o perigo de se entregar a política econômica do país a um homem de "mercado". Ele disse: "Há certamente alguma coisa muito errada em um país em que o ministro da Fazenda precisa ser escolhido pelo setor financeiro". Em outro artigo, intitulado "Crescer ou crescer", Delfim apresenta a receita para um efetivo ajuste na política econômica brasileira: uma forte coordenação macroeconômica entre as políticas fiscal, monetária, salarial e cambial que produza um razoável equillíbrio interno e externo sem retroceder na inclusão social; e uma inteligente regulação microeconômica que respeite a eficiência alocativa dos fatores de produção.
            A recente visita do festejado economista francês Thomas Piketty ao Brasil, para lançar seu best seller "O capital no Seculo XXI", que tem produzido inquietação e desconforto ao evidenciar que o capitalismo vem aumentando a concentração de renda e, por via de consequência, a desigualdade social, trouxe uma importante contribuição para esse debate. Assediado pela mídia progressista (a conservadora quase o ignorou), Piketty não cansou de repetir o quanto é urgente a Reforma Tributária no Brasil. Disse ele: "O Brasil poderia ter um sistema de imposto mais progressivo. O sistema é bastante regressivo, com altas taxas sobre o consumo para amplos setores da sociedade, enquanto os impostos diretos são relativamente pequenos. As taxas para as maiores rendas, de pouco mais de 30%, é tímido para os padrões internacionais".
            Enfim, longe de um descalabro econômico, temos desafios a serem enfrentados, rumo a ser ajustado e conquistas a serem mantidas. A escolha de um "homem de mercado" para pilotar essas mudanças, em minha opinião, não é um bom sinal. Como diz a sabedoria popular, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Torçamos, portanto, para que, em respeito ao seu eleitorado, Dilma atue na definição da dose adequada.

(Publicado no semanário CINFORM, em 12/01/2014)