sábado, 30 de julho de 2011

Software livre: uma opção de negócio


Numa fria manhã da primavera de 1996, no anfiteatro do campus de Santa Cruz da Universidade da Califórnia, assisti atento à disputada palestra de Scott Mc-Nealy, à época CEO da Sun Microsystems, empresa que criou a tecnologia Java, quando ele insistia em afirmar: "o computador é a rede". Saí dali convicto de que era a hora de aprumar o leme da Infox em direção a Java, mas também preocupado com o futuro da SCO, empresa parceira que organizava aquele fórum e responsável pela distribuição SCO Unix.
Poucos anos depois, o crescimento do Linux enfraqueceu a SCO e passamos a adotar aquele sistema operacional de código aberto em nossos projetos, adaptando-nos à perda da confortável receita originária das vendas das licenças do SCO Unix, parcialmente recomposta pela prestação de serviços de suporte, treinamento e mentoring para Linux e Java.
O mesmo se deu com o banco de dados que adotamos durante anos, aos poucos substituído por MySQL e PostgreSQL, ambos free softwares. Fizemos, portanto, opção deliberada por usar e convencer nossos clientes - públicos e privados -, a adotarem software livre, proporcionando economia e adicionando ganhos de qualidade, desempenho e confiabilidade. Tal economia tem permitido que o cliente invista mais e melhor em desenvolvimento de sistemas e serviços de suporte, ou seja, no núcleo do nosso negócio.
Foi por essas razões que compreendemos, assimilamos e nos incorporamos facilmente às políticas públicas dos governos Federal e estaduais, que estabeleceram a preferência pelo software livre nas contratações de produtos e serviços de Tecnologia da Informação (TI). Ao longo dos últimos 15 anos, temos colecionado projetos desafiadores e vitoriosos, todos eles adotando software livre, quebrando mitos e preconceitos e proporcionando enormes economias para os clientes.
Dentre tantas, merece destaque a experiência de construção do Creta - Sistema de Processo Digital para Juizados Especiais Federais, contratado pelo TRF 5a Região, baseado em Recife, premiado nacionalmente e reconhecido como a mais efetiva solução de processo eletrônico para o judiciário brasileiro. A base de dados do Creta na Seção Judiciária do Recife armazena hoje o conteúdo de 325 mil processos, ocupando 1,1 Tb e suportando até 800 sessões simultâneas de usuários acessando a aplicação. Qual o custo para o cliente na aquisição dos produtos envolvidos (Linux, Java, JBoss e PostgreSQL)? A resposta é zero. Se, contudo, a opção fosse por softwares proprietários, ultrapassaria a cifra de R$ 10 milhões!
A partir da experiência do Creta, com o apoio do TRF 5a Região, ousamos construir um sistema mais abrangente, capaz de atender toda a demanda do judiciário, tornando eletrônicos - ou virtuais, ou digitais -, todos os processos, independentemente de classe e de instância. E assim nasceu, em menos de dois anos, o PJe - Processo Judicial Eletrônico, padronizado nacionalmente pelo CNJ e em adoção por tribunais federais e estaduais.
Alguns dirão que zerar o custo de aquisição não significa eliminar o custo total de propriedade (TCO), e é verdade. Em torno do software livre existe um crescente número de empresas provedoras de serviços - a exemplo da RedHat -, que vendem treinamentos, mentoring e subscrições anuais que garantem suporte técnico nos mais diferentes níveis. Dificilmente, contudo, o TCO de um software livre será superior ao do equivalente software proprietário.
O relato dessa experiência concreta não tem a intenção de alimentar o ultrapassado debate ideológico e maniqueísta que se estabeleceu em torno da adoção do software livre, mas chamar a atenção para uma oportunidade que se abre onde muitos ainda vêem uma ameaça e, adicionalmente, alertar para o inexorável crescimento da adoção do software livre como opção consciente de empresas e usuários de TI, sobretudo diante dos muitas vezes abusivos preços das licenças dos softwares proprietários.
(artigo publicado na edição 36, em julho de 2011, da revista Tecnologia da Informação: http://www.mflip.com.br/pub/assespro/?numero=36)

sábado, 2 de julho de 2011

Copa e Olimpíada: quem vai pagar a conta?

Exercitando minimamente a autocrítica, havemos de reconhecer que em nosso querido Brasil continuam fortemente sedimentados "princípios" que norteiam alguns agentes públicos e privados e que produzem inestancáveis sangrias dos cofres públicos.
Eis a razão de tantos, como eu, injustamente taxados de pessimistas, preocuparem-se com a realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta por essas bandas: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Ao primeiro, adicione-se um fato recente: quem o capitaneia, a famosa FIFA, teve seus dirigentes envolvidos em esquemas de deslavada corrupção, e sobre a CBF, dispensam-se comentários.
Como somos um povo desmemoriado, a farra dos recentes Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro (PAN-2007), cujo orçamento saltou de R$ 400 milhões para R$ 3,4 bilhões, com fartos indícios de superfaturamento, deveriam servir como um grande sinal de alerta. Consideremos, pois, que o orçamento oficial das Olimpíadas de 2016 é de R$ 38,7 bi e da Copa de 2014 R$ 40 bi (a anterior, na África do Sul, custou R$ 15 bi). Se a "margem de erro" for a mesma do PAN-2007, estamos literalmente ... deixe prá lá.
É bem verdade que esses eventos, em alguma medida, vão antecipar investimentos em infraestrutura, sobretudo urbana, que podem se traduzir em ganhos permanentes para os cidadãos, além de poder alavancar a indústria do turismo. Ocorre que, a partir da experiência do PAN-2007, estudos apontaram que esses investimentos pouco favoreceram justamente quem mais os demandam: as classes menos favorecidas (vide link abaixo para o artigo "O Jogo da Desigualdade").
E quanto aos propagados argumentos dos defensores desses megaeventos? Os estudos provam que, em alguns casos, e o mais emblemático é Barcelona, pode-se obter um grande saldo positivo mas, infelizmente, é a exceção. No final das contas, sobretudo em se tratando de países em desenvolvimento, a tendência é sobrar um gigantesco passivo a ser pago, como de costume, pela sociedade, como ocorreu com a Grécia. Esperemos que, ao menos no caso da Copa de 2014, antes de pagar essa conta o povo brasileiro curta o efêmero momento de alegria com a conquista do campeonato.
Como a "sorte está lançada" (ou seria o azar?), não nos resta sabotar ou torcer para que não dêem certo. Ao contrário, devemos exigir dos agentes envolvidos com a organização das duas competições o máximo de transparência, seriedade e espírito público, embora tendo que nos esforçar para conter o natural ceticismo.
Sobre o tema, recomendo essas leituras ilustrativas:
- O Jogo da Desigualdade - http://migre.me/5a2II
- Rio 2016, e agora? Oportunidades e Desafios - http://migre.me/59QXb
- Prioridades do Futebol - http://migre.me/59QXT

Atualização em 11/09/2011:

Nesta data, a Folha de São Paulo traz matéria intitulada "Custo da Copa corre o risco de explodir", da qual destaco os seguintes trechos:
O Portal da Transparência do governo, montado pela Controladoria-Geral da União, diz que a Copa custará R$ 23,4 bilhões. A Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), que tem acordo de cooperação técnica com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e o Ministério do Esporte, trabalha com outros números. Estima em R$ 112 bilhões o custo total do Mundial e em R$ 84,9 bilhões, se considerado o recorte feito pelo Portal da Transparência, com o cálculo incluindo só aeroportos, portos, segurança, arenas e mobilidade urbana. 
De acordo com o procurador-chefe do Ministério Público Federal do Amazonas, Athayde Ribeiro Costa, atual coordenador do Grupo de Trabalho Copa do Mundo 2014:
"Há grande risco em financiar obras com projetos falhos e sem detalhamentos. Isso porque o valor da obra será feito em estimativas aleatórias e futuramente serão demandados aditivos acima dos limites legais", diz Costa.  Segundo ele, o temor de que a desorganização conduza a uma situação de descontrole está se confirmando. Com esse quadro, "aumentam riscos de sobrepreço, de paralisação de obras, de obras inacabadas e de corrupção".
No Amazonas, o MPF determinou à Caixa e ao BNDES a suspensão do repasses de recursos por falta de projetos para a construção do monotrilho e da arena Amazônia, em Manaus.
Os dois projetos devem consumir quase R$ 900 milhões e, segundo o MPF, não têm projetos executivos, o que eleva o risco de sobrepreço. Ainda de acordo com o MPF, são obras com custos atuais que não podem ser considerados definitivos.