Não é de agora que tenho chamado a atenção para os abusos perpetrados pelas empresas de telecomunicações (teles), sobretudo nas operações de telefonia móvel. Para não parecer que critico sem fundamento, ainda mais no twitter, cuja limitação de 140 caracteres dificulta maiores explicações, resolvi escrever esse post, pegando carona em matérias sobre o tema publicadas na Folha de São Paulo de 08/02/2010.
Vamos aos textos extraídos das matérias (em azul), seguidos de meus comentários:
Uma pesquisa recente da consultoria europeia Bernstein Research colocou o minuto de celular no Brasil em segundo lugar entre os mais caros do mundo. O país só perde para a África do Sul e está à frente da Nigéria. O que o levantamento não revelou é que as tarifas são elevadas porque o governo brasileiro não abre mão de impostos e as operadoras não querem baixar o valor extra cobrado por minuto de seus clientes quando estes telefonam para um assinante da concorrente.
Resultado: em média, o consumidor brasileiro paga R$ 0,45 por minuto, segundo a pesquisa, em chamadas locais para celulares da própria operadora. Esse valor passa de R$ 1 caso a chamada termine em um número da operadora móvel concorrente.
Há anos, as teles, por meio de sua associação, a Acel, defendem a redução da carga tributária que, em média, é de 42% do preço por minuto ao consumidor. O setor diz que é uma das cargas mais pesadas do mundo.
Até o momento, o governo -tanto o estadual quanto o federal- não deu nenhuma sinalização de que irá baixar as alíquotas que incidem sobre o serviço. Dados da Telebrasil, associação que reúne representantes do setor de telecomunicações (incluindo as teles fixas e móveis), revelam que, em alguns Estados, a arrecadação com serviços de telecomunicações chega a 40% do total.
Aqui reside um imenso equívoco: se a carga tributária é de 42%, como justificar que a tarifa média praticada no Brasil chega a ser 10x maior que a média mundial e 3x a média dos países em desenvolvimento, segundo outros estudos realizados pelo IPEA e OCDE?
Não é só imposto
Mas não é só isso que pesa para o consumidor. A conta também sobe porque as operadoras móveis não querem perder parte de sua receita de interconexão, valor cobrado por minuto nas ligações que, para serem completadas, precisam passar pela rede de companhias concorrentes.
Em média, esse valor oscila entre R$ 0,40 e R$ 0,45 por minuto e é adicionado ao preço do minuto definido em contrato pela operadora nos planos pré e pós-pagos escolhidos pelo cliente. Entre o quarto trimestre de 2008 e o terceiro trimestre de 2009, TIM, Vivo e Oi angariaram R$ 4,9 bilhões com a interconexão. A Claro não divulga essa informação.
"Grande parte desses recursos [de interconexão] é dinheiro na veia das operadoras", diz Paulo Mattos, diretor de regulamentação da Oi. "Se pegar a receita anual de todas elas [incluindo a própria Oi], 35% é dinheiro da interconexão."
Mattos afirma que esses valores praticados no Brasil são 150% superiores aos da Europa e dos EUA.
A GVT chegou a ir à Justiça contra as operadoras móveis, considerando abusivos os preços cobrados pela interconexão. A disputa foi parar até na SDE (Secretaria de Direito Econômico), órgão do Ministério da Justiça que investiga casos que podem ferir a concorrência comercial.
Anatel diz que consultoria vai estudar modelo
A Anatel informa que já contratou uma consultoria especializada para ajudá-la a definir o modelo de custo dos serviços prestados pelas operadoras móveis. O trabalho deverá ser concluído em 18 meses.
A UIT (União Internacional de Telecomunicações) participa desse projeto. A organização, ligada à ONU, atuou na elaboração desses sistemas de monitoramento de custos das teles em outros países.
Contudo, os valores (de interconexão) em vigor atualmente são considerados exorbitantes. A Folha apurou que a agência pretende acelerar a definição de um modelo de custos para que os consumidores possam utilizar o celular sem se preocupar tanto com o preço do minuto, como acontece em países desenvolvidos.
Segundo a consultoria Bernstein Research, nem mesmo em nações em desenvolvimento o minuto passa de R$ 0,10, já considerando impostos. Na Índia, cujo PIB (Produto Interno Bruto) se assemelha ao do Brasil, o minuto é R$ 0,02; na Indonésia e na China, R$ 0,06; no México, na Rússia e no Egito é R$ 0,10, mesmo preço cobrado nos EUA.
Recentemente, países da América Latina e Caribe começaram a revisão dos custos das operadoras para derrubar o preço do minuto. No Chile, a interconexão caiu pela metade.
Vejam que detalhe interessante: a ANATEL precisava de 18 meses (!!) para definir novo modelo de custos! Será que os estudos foram contratados e iniciados? Quem souber morre ...
As teles afirmam que a interconexão está nesse patamar porque o investimento na telefonia celular é muito maior que na fixa, exigindo novos aportes a cada três anos.
Isso porque haveria uma evolução de tecnologias mais acelerada na plataforma móvel. Um exemplo: nem bem foram realizados os aportes na construção de uma rede de telefonia 3G (terceira geração) no Brasil e as operadoras já discutem os investimentos necessários ao 4G (quarta geração).
Por isso, elas dizem que não dá para abrir mão da receita da interconexão sem colocar algo no lugar. Além disso, ainda segundo as companhias, parte dessa receita ajuda a manter o cliente pré-pago, que gasta, em média, menos de R$ 10 por mês. Essa quantia não remunera o serviço e afeta a lucratividade da companhia. Resultado: com uma redução drástica da interconexão, seria preciso aumentar mais o minuto.
A TelComp, associação que representa as operadoras que defendem a competição, acredita que a redução da interconexão obrigaria as empresas a se tornarem mais eficientes, criando fórmulas e planos que atraiam novos clientes, estimulando justamente o uso do celular na realização de chamadas.
Foi o que aconteceu em países da Europa e nos EUA, que praticamente zeraram o valor da interconexão, fazendo com que o tráfego de voz saltasse rapidamente para um dos mais elevados do mundo.
Esse trecho é autoexplicativo: as teles tentando justificar o injustificável ou perpetuar um modelo de negócios baseado na sua baixa competitividade.
Eis as minhas conclusões:
1. As telecomunicações no Brasil se transformaram em um dos melhores negócios do mundo, combinando a oferta de serviços de péssima qualidade, com tarifas exorbitantes e regulação frouxa (há quem justifique a frouxidão da Anatel por conta do marco regulatório intencionalmente omisso, obra da era privatizante de FHC e que os governos seguintes, assim como o Congresso Nacional, mantêm intocável).
2. O cenário transcende a telefonia móvel e atinge a oferta de serviços de comunicação em banda larga, também abusivamente caros e com velocidades ridículas para os tempos atuais. O cinismo é tanto que, com a chegada do concorrente GVT, a Oi reduziu drasticamente os preços do seu problemático Velox, comprovando os abusivos sobrepreços até então praticados.
3. Nós usuários temos parcela significativa de culpa porque: a) usamos excessivamente o celular; b) não utilizamos outras formas de comunicação de custo baixíssimo, uma vez que rodam na Internet, como Skype, e-mail etc. Mais recentemente, aplicativos de voz sobre IP (VoIP) foram disponibilizados com alta qualidade, a exemplo do Viber para iPhone, mas pouquíssimas pessoas utilizam.
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