Sou viajante contumaz e, há anos, venho acompanhando o processo de desordem que tem tomado conta da aviação civil brasileira. Um aspecto sempre me chamou a atenção: as constantes alterações nos horários de vôos, intensificando os momentos de pico de apenas alguns aeroportos, que se transformaram em superhubs (Brasília e Congonhas, este último irresponsavelmente), sobrecarregando além do limite as infraestruturas aeroportuárias. Como corolário, aeroportos de cidades menores foram condenados a se transformar em fins de linha (os vôos chegam por último e partem primeiro, sempre nas madrugadas) e outros com perfil de hub (com capacidade para receber aviões maiores e rotear para menores) ficaram entregues às moscas (casos de Confins e Galeão).
Esse processo de concentração, assistido com passividade (ou seria cumplicidade?) pela agência reguladora do setor (a famigerada ANAC), foi uma das causas do trágico acidente aéreo do vôo TAM 3054 em 17 de julho de 2007. Aquele imenso sinal de alerta não provocou a necessária e radical transformação desse modelo e o que temos visto é a superconcentração prosseguindo. Para minha surpresa, por exemplo, hoje, em Brasília, descobri que foi implantada mais uma sala de embarque remoto com mais 4 portões (G a J). A propósito, o vôo TAM 3566 que embarquei demorou exatos 55 minutos na fila de decolagem!
O fato é que o aeroporto de Brasília se tornou o maior símbolo de improviso aeroportuário que conheço, onde até as cadeiras nas salas de embarque são insuficientes para o excesso de passageiros nos horários de pico (os preferidos pelas companhias aéreas). E o paradoxo: é o aeroporto mais utilizado pelos homens e mulheres mais poderosos da República, cuja miopia não lhes permite enxergar as raízes desse grave problema.
À frente da pasta do turismo em 2009 e 2010, na Sedetec, debrucei-me sobre estudos, acompanhei discussões no Fórum de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo, assisti sessão da Comissão Mista de Turismo do Congresso Nacional e, lamentavelmente, as causas da crise da aviação brasileira continuam sendo tangenciadas. Ficou fácil culpar apenas a Infraero (que tem sua parcela significativa de culpa), todos tacitamente fingindo não perceber que as companhias aéreas, aliadas à ANAC, são as maiores responsáveis pela desordem.
Há que se destacar outra importante causa desses problemas: a frouxidão do marco regulatório, baseado na liberdade de oferta, que combinada com a inapetência da ANAC permite que as companhias voem para onde querem, nos horários que lhes sejam mais rentáveis. Adicionalmente, o mesmo marco regulatório não estabelece a necessária proteção que deveria ser dada às pequenas e às nascentes companhias contra a ação predatória das grandes (sobreposição de rotas facilmente liberadas pela ANAC sem contrapartidas de prazo mínimo de utilização). Resultado: poucos são os corajosos que investem na indispensável aviação regional (caso da Trip) e em novas companhias aéreas com atuação nacional (caso da Azul). Sobre a Azul e Trip, vale destacar seus crescimentos acelerados, baseados em um modelo de negócios mais racional e que tem contribuído muito para melhorar a limitada oferta da dupla Gol/Tam. Mas não é só isso: o mesmo marco regulatório restringe a participação do capital estrangeiro em empresas brasileiras do setor, dando sobrevida a uma ancrônica reserva de mercado fundamentada em razões de segurança nacional, hoje indesejável para as próprias companhias brasileiras.
É claro que a melhoria do poder aquisitivo da população nos últimos anos aumentou sobremaneira a demanda pelo transporte aéreo, mas esse fato, isoladamente, não justifica a sucessão de equívocos e a prevalência isolada do interesse das companhias na formatação da malha aérea, em detrimento do indispensável ordenamento desse setor tão crítico, mais ainda em um país continental e sem alternativas para o transporte de longa distância.
Outro ponto a ser considerado é a "síndrome do pobre soberbo" que contamina organizações públicas brasileiras, a Infraero em particular. Os novos aeroportos construídos ou reformados no país são luxuosos, às vezes suntuosos, verdadeiras obras-primas da arquitetura, obviamente caríssimas, na contramão do que se vê no resto do mundo, sobretudo nos países mais ricos que se contentam com o conforto e a funcionalidade. Enquanto algumas cidades ganharam esses monumentos, outras convivem com aeroportos absolutamente deficientes (Aracaju, Goiânia, Vitória, Florianópolis etc).
Finalmente, não podemos deixar de considerar a obtusidade histórica do modelo praticado pelas grandes companhias brasileiras - desde os tempos da Varig, Vasp e Transbrasil -, para a qual não encontrei ainda explicação. Enquanto no resto do mundo as companhias aéreas operam sempre combinando aviação nacional com aviação regional, aqui as grandes insistem em um modelo híbrido, caro, pouco eficaz, com grandes aviões cumprindo exaustivas rotas que incluem os hubs e o "pinga-pinga" em pequenos aeroportos.
Embora pessimista quanto aos resultados que os megaeventos esportivos de 2014 e 2016 trarão para o país, imaginei que ao menos na logística dos transportes restaria uma saldo positivo, com a solução definitiva dessa desordem aérea, mas eis que acabo de ver o seguinte post no twitter: "@FolhaPoder: Aeroportos para Copa não estarão prontos até 2014, alerta IPEA: http://bit.ly/huZc1A"...
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